terça-feira, agosto 11, 2009

Entrevista com Jack Kerouac

Jack Kerouac fala sobre On the Road em entrevista para o The Paris Review em 1967

Por L&PM Editores em 19/12/2008

Confira trechos da entrevista feita com Jack Kerouac pelo jornalista Ted Berrigan e publicada na revista The Paris Review em 1967

O que o motivou a usar o estilo "espontâneo" em On the Road?
Jack Kerouac: Tive a idéia de usar o estilo espontâneo em On the Road ao ver como meu velho amigo Neal Cassady escrevia suas cartas, sempre na primeira pessoa, rápidas, loucas, confessionais, completamente sérias, minuciosas, com os nomes reais, no caso dele (eram cartas). Também lembrei do aviso de Goethe - em uma profecia, Goethe disse que a literatura do Ocidente seria confessio­nal por natureza. Dostoiévski também percebeu isso, e poderia ter seguido por aí, se tivesse vivido o bastante para realizar a obra-prima que planejou, O grande pecador. Cassady também começou seus escritos juvenis com tentativas de fazer um negócio lento, sofrido, cheio da droga da técnica, mas ficou cheio, como eu, vendo que não botava as coisas para fora do modo visceral como elas brotavam. Mas seu estilo 56 me deu um toque...é uma mentira cruel daqueles vagabundos da costa oeste dizer que eu tirei dele a idéia para fazer On the Road.
Todas as cartas que me escreveu falavam do tempo em que era mais jovem, antes que eu o conhecesse, uma criança com o pai etc., e das experiências seguin­tes da adolescência. A carta que ele me mandou tem a fama injusta de possuir treze mil palavras... Não, o texto de treze mil palavras foi The first third, que ele conservou em seu poder. A carta, quer dizer, a maior carta, tinha quarenta mil palavras, veja bem, um pequeno romance completo. Foi a maior obra escrita que já vi, melhor do que qualquer um faria nos Estados Unidos – ou pelo menos dava para Melville, Twain, Dreiser, Wolfe e sei lá quem mais tremerem na sepultura. Allen Ginsberg pediu esta carta enorme emprestada. Depois que leu, passou para um sujeito chamado Gerd Stern, que morava em um barco - casa em Sausalito, Califórnia, em 1955, e esse cara perdeu a carta, deve ter deixado cair dentro d'água. Neal e eu a chamávamos de Joan Anderson Letter, por conveniência. Contava tudo sobre um fim de semana de Natal em salões de bilhar, quartos de hotel e prisões de Denver, estava cheia de casos hilariantes e trágicos também, tinha até o desenho de uma janela, com as medidas, para aju­dar o leitor a entender, e muito mais, Veja bem: esta carta teria sido publicada com o nome de Neal, se fosse possível encontrá-la. Mas, como você sabe, era uma carta para mim, propriedade minha, e Allen não poderia ter sido tão descuidado com ela, nem o cara do barco. Se nós pudéssemos descobrir esta carta de quarenta mil palavras, faríamos justiça a Neal. Além disso, grava­mos várias conversas rápidas por volta de 1952, e as ouvimos várias vezes, nós dois pegamos o segredo do código para contar uma história, e percebemos que era o único jeito de registrar a velocidade, a tensão e as bobagens deslumbradas da época...é o bastante?

Em sua opinião, de que maneira este estilo se modificou desde On the road?
Kerouac: Que estilo? Ah, o estilo de On the Road. Bem, como eu disse, Cowley mexeu no texto original, sem que eu pudesse reclamar. Depois disso, todos os meus livros foram publicados do modo como eu os escrevi, como já falei, e o estilo tem variado desde a escrita rápida altamente experimental de Railroad Earth até o estilo místico voltado para dentro de Tristessa, da loucura confessibnal à la Memórias do subterrâneo de Dostoiévski em The subterraneans (Os subterrâneos) e a perfeição dos três reunidos em Big Sur, que conta uma história simples no estilo fluente da prosa literária melosa, até Satori em Paris, que é, na verdade, o primeiro livro que escrevi com bebida ao lado (conhaque e bourbon) ...Sem falar em Book of dreams (O livro dos sonhos), no estilo de uma pessoa que mal acor­dou, escrevendo a lápis na beira da cama, sim, a lápis, que trabalho! Olhos congestionados, a mente insana confundida e mistificada pelo sono, de­talhes que pipocam e que você não entende o significado, enquanto escreve.

É verdade que você datilografou o original de Naked lunch (Almoço nu) para Burroughs em Tânger?
Kerouac: Não...só o começo. Os dois primeiros capítulos. Eu tinha pesadelos, quando ia para a cama...um monte de besteiras saindo de minha boca. Datilografar aquele livro estava me provocando pesadelos...Eu dizia, "Bill". E ele: "Continue batendo". Ele disse: "Comprei a porra do fogareiro para você, aqui, no norte da Africa, sabia?". É difícil conseguir um fogareiro... entre os árabes. Eu acendia o fogo, pegava as cobertas e um pouco de fumo, ou "kif", como diziam lá... Ou, de vez em quando, um pouco de haxixe ... Lá é legal, por falar nisso...E ia batendo tac-tac-tac-tac-tac-tac, e quando ia para a cama, à noite, aquelas coisas ficavam saindo pela minha boca. De repente chegaram outros caras, como Alan Ansen e Allen Ginsberg, e estragaram todo o original, porque não o datilografaram do jeito que ele o escreveu.

A Grove Press tem lançado os livros dele da Olympia Press com uma porção de mudanças e acréscimos.
Kerouac: Bem, na minha opinião Burroughs não produziu nada de atraente para nossos corações atormentados desde que escreveu Naked lunch daquele jeito. A única coisa que ele faz agora é um negócio fragmentado, que se chama. ..quando você escreve uma página em prosa, e depois escreve mais uma... aí você dobra, corta e junta tudo...(cut-ups) e outras merdas do gênero...

E o que você diz de Junkie (Junky - Drogado), então?
Kerouac: É um clássico. Melhor que Hemingway - é que nem Hemingway, até um pouco melhor. Diz o seguinte: Danny chega em minha casa uma noite, e diz, ei, Bill, me empresta o porrete? Um porrete - você sabe o que é um porrete?

Um cassetete?
Kerouac: Isso, um cassetete. Bill conta: " Abri a gaveta de baixo, e puxei o porrete, guardado embaixo das camisas finas. Dei para Danny e disse: 'Vê se não perde isso, Danny' - Danny diz: 'Não se preocupe, não vou perder'". Ele vai embora e perde. Porrete. ..cassetete. ..isso sou eu. Porrete. ..cassetete.

Isso é um haicai: porrete, cassetete, isso sou eu. Melhor anotar
Kerouac:
Não.

Quando conheceu Allen Ginsberg?
Kerouac:
Primeiro conheci Claude.(trata-se provavelmente de Lucien Carr - N. do Ed.) Aí conheci Allen, e depois conheci Burroughs. Claude entrou pela saída de incêndio. ..deram tiros no beco. Estava chovendo, e minha mulher falou: "Lá vem o Claude". Então aparece aquele cara loiro, pela saída de incêndio, todo molhado. Eu disse: "O que está acontecendo? Que diabo é isso?". Ele diz: "Estão atrás de mim". No dia seguinte chega Allen Ginsberg, trazendo livros. Tinha dezesseis anos e orelhas de abano. Ele disse: "Bem, a discrição é a melhor medida do valor!". Eu disse: "Cala a boca, seu intrometido". No dia seguinte apareceu o Burroughs, vestindo um temo listado de algodão, junto com o outro cara.

Que outro cara?
Kerouac:
O cara que acabou dentro do rio. Era um cara de Nova Orleans, que Claude matou e jogou no rio. Ele o esfaqueou doze vezes, no coração, com um canivete de escoteiro. Claude, quando tinha catorze anos, era o menino loiro mais lindo de Nova Orleans. Ele entrou para os escoteiros...o chefe dos escoteiros era uma bicha ruiva gorda, que estudou na Universidade de St. Louis, se não me engano. Ele já tinha ficado apaixonado por um cara muito parecido com o Claude, em Paris. Esse cara caçou Claude pelo país inteiro. Por causa dele, Claude já fora expulso de Baldwin, Tulane e do curso de preparação em Andover...,um caso de viadagem, mas Claude não é viado.

O que diz da influência de Ginsberg e Burroughs? Você alguma vez teve noção do marco que os três foram na literatura americana?
Kerouac:
Eu estava decidido a ser um "grande escritor", entre aspas, como Thomas Wolfe, sabe...Allen vivia lendo e fazendo poesia. ..Burroughs lia muito, e andava por aí olhando as coisas...Já escreveram, muitas e muitas vezes, sobre a influência que exercemos uns sobre os outros...Nós éramos apenas três personagens curiosos, na grande e curiosa cidade de Nova York, circulando pelas universidades, bibliotecas e cafés. Você vai encontrar um monte de detalhes em Vanity... em On the road, onde Burroughs é Bull Lee e Ginsberg é Carlo Marx.

O que foi que reuniu vocês todos nos anos 50? O que havia para unir o pessoal da "geração beat"?
Kerouac:
Bem, geração beat foi só um nome que usei no original de On the road para descrever caras como Moriarty, que percorriam o país de carro, atrás de serviços avulsos, garotas e farras. Mais tarde foi aproveitado por grupos esquerdistas da costa oeste, e ganhou um sentido de "rebelião beat" e "insurreição beat" e outras bobagens. Eles só queriam se agarrar a um movimento qualquer da juventude, para atingir seus objetivos políticos e sociais. Eu não tive nada a ver com isso. Eu era um jogador de futebol, estudante bolsista da universidade, marinheiro da frota mercante, guarda-freios de trens de carga, preparador de sinopses, secretário... e Moriarty-Cassady era um cowboy de verdade no rancho de Dave Uhl, em New Raymer, Colorado...Que tipo de beatnik é este?

Havia alguma noção de "comunidade" no meio da turma beat?
Kerouac:
A sensação de comunidade foi largamente inspirada pelas mesmas pessoas que já mencionei, como Ferlinghetti e Ginsberg. Eles vivem com a cabeça cheia de socialismo e querem que todo mundo viva em uma espécie de kibbutz frenético, com companheirismo e tudo mais. Eu era um solitário. Snyder não é igual a Whalen, Whalen não é igual a McClure, eu não sou igual a McClure. McClure não é igual a Ferlinghetti, Ginsberg não é igual a Ferlinghetti, mas todos nós gostávamos de tomar vinho, de qualquer maneira. Conhecíamos milhares de poetas e pintores e músicos de jazz. Não havia uma "turma beat", como você falou... O que me diz de Scott Fitzgerald e sua "turma perdida", ou de Goethe e da "turma de Wilhelm Meister"? O assunto é muito chato. Me passa aquele copo.

Bem, e porque eles se afastaram, no começo dos anos 60
Kerouac:
Ginsberg começou a se interessar por política, pela esquerda... como Joyce, eu disse a mesma coisa que Joyce disse a Ezra Pound nos anos 20: "Não me amole com a política, a única coisa que me interessa é estilo".





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‎"O que mata as pessoas é a ambição. E também esta tendência para a sociedade de consumo. Quando vejo publicidade na televisão, digo a mim mesmo: podem me apresentar isto anos a fio que nunca comprarei nada daquilo que mostram. Nunca desejei um belo automóvel. Nunca desejei outra coisa senão ser eu próprio. Posso caminhar na rua com as mãos nos bolsos e sinto-me um príncipe."
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