|   EM            MEU OFÍCIO OU ARTE TACITURNA                      Em meu ofício ou arte taciturna           Exercido na noite silenciosa           Quando somente a lua se enfurece           E os amantes jazem no leito           Com todas as suas mágoas nos braços,           Trabalho junto à luz que canta           Não por glória ou pão           Nem por pompa ou tráfico de encantos           Nos palcos de marfim           Mas pelo mínimo salário           De seu mais secreto coração.                      Escrevo estas páginas de espuma           Não            para o homem orgulhoso           Que se afasta da lua enfurecida           Nem para os mortos de alta estirpe           Com seus salmos e rouxinóis,           Mas para os amantes, seus braços           Que enlaçam as dores dos séculos,           Que não me pagam nem me elogiam           E ignoram meu ofício ou minha arte.                                  (tradução: Ivan            Junqueira)                                 .           ESTE            LADO DA VERDADE                      Para Llewlyn                      Este lado da verdade,           Meu filho, tu não podes ver,           Rei de teus olhos azuis           No país que cega a tua juventude,           Que está todo por fazer,           Sob os céus indiferentes           Da culpa e da inocência           Antes que tentes um único gesto           Com a cabeça e o coração,           Tudo estará reunido e disperso           Nas trevas tortuosas           Como o pó dos mortos.                      O bom e o mau, duas maneiras           De caminhar em tua morte           Entre as triturantes ondas do mar,           Rei de teu coração nos dias cegos,           Se dissipam com a respiração,           Vão chorando através de ti e de mim          (tradução:            Ivan            Junqueira)                     .           POEMA            DE OUTUBRO                       Era o meu trigésimo ano rumo ao céu           Quando chegou aos meus ouvidos, vindo do porto           e do bosque ao lado,           E da praia empoçada de mexilhões           E sacralizada pelas garças           O aceno da manhã                      Com as preces da água e o grito das gralhas e gaivotas           E o chocar-se dos barcos contra o muro emaranhado de redes           Para que de súbito           Me pusesse de pé           E descortinasse a imóvel cidade adormecida.                      Meu aniversário começou com as aves marinhas           E os pássaros das árvores aladas esvoaçavam o meu            nome           Sobre as granjas e os cavalos brancos           E levantei-me           No chuvoso outono           E perambulei sem rumo sob o aguaceiro de todos os meus dias.           A garça e a maré alta mergulhavam quando tomei a estrada                      Acima da divisa           E as portas da cidade           Ainda estavam fechadas enquanto o povo despertava.                      Toda uma primavera de cotovias numa nuvem rodopiante           E os arbustos à beira da estrada transbordante de gorjeios           De melros e o sol de outubro           Estival           Sobre os ombros da colina,           Eram climas amorosos e houve doces cantores           Que chegaram de repente na manhã pela qual eu vagava e ouvia                      Como se retorcia a chuva           O vento soprava frio No bosque ao longe que jazia a meus pés.                     Pálida chuva sobre o porto que encolhia           E sobre o mar que umedecia a igreja do tamanho de um caracol           Com seus cornos através da névoa e do castelo           Encardido como as corujas Mas todos os jardins           Da primavera e do verão floresciam nos contos fantásticos                      Para além da divisa e sob a nuvem apinhada de cotovias.           Ali podia eu maravilhar-me           Meu aniversário Ia adiante mas o tempo girava em derredor.                      Ao girar me afastava do país em júbilo           E através do ar transfigurado e do céu cujo azul se matizava                      Fluía novamente um prodígio do verão           Com maçãs           Pêras e groselhas encarnadas           E no girar do tempo vi tão claro quanto uma criança           Aquelas esquecidas manhãs em que o menino passeava com sua mãe            Em meio às parábolas           Da luz solar           E às lendas da verde capela                      E pêlos campos da infância duas vezes descritos           Pois suas lágrimas me queimavam as faces e seu coração                      se enternecia em mim.           Esses eram os bosques e o rio e o mar           Ali onde um menino           À escuta           Do verão dos mortos sussurrava a verdade de seu êxtase                      Às árvores e às pedras e ao peixe na maré.                      E todavia o mistério           Pulsava vivo Na água e nos pássaros canoros.          E            ali podia eu maravilhar-me com meu aniversário           Que fugia, enquanto o tempo girava em derredor. Mas a verdadeira           Alegria da criança há tanto tempo morta cantava           Ardendo ao sol.           Era o meu trigésimo ano           Rumo ao céu que então se imobilizara no meio-dia do verão                      Embora a cidade repousasse lá embaixo coberta de folhas no sangue            de outubro.                       Oh, pudesse a verdade de meu coração           Ser ainda cantada           Nessa alta colina um ano depois.          .(tradução:            Ivan            Junqueira)           .                        AMOR NO HOSPÍCIO                       Uma estranha chegou           A dividir comigo um quarto nessa casa que anda mal da cabeça,                      Uma jovem louca como os pássaros                      Que trancava a porta da noite com seus braços, suas plumas.           Espigada no leito em desordem           Ela tapeia com nuvens penetrantes a casa à prova dos céus                      Até iludir com seus passos o quarto imerso em pesadelo,           Livre como os mortos,           Ou cavalga os oceanos imaginários do pavilhão dos homens.                      Chegou possessa           Aquela que admite a ilusória luz através do muro saltitante,                      Possuída pêlos céus           Ela dorme no catre estreito, e no entanto vagueia na poeira           E no entanto delira à vontade           Sobre as tábuas do manicômio aplainadas por minhas lágrimas            deâmbulas.                     E arrebatado pela luz de seus braços, enfim, meu Deus, enfim           Posso de fato           Suportar a primeira visão que incendeia as estrelas.          .(tradução:            Ivan            Junqueira)          .          MORTES            E ENTRADAS          Quase            às vésperas incendiárias           De várias mortes próximas,           Quando alguém ante os despojos de quem mais amaste,           E desde sempre conhecido, tenha de abandonar           Os leões e as flamas de sua volátil respiração,           Quem dentre os teus amigos imortais           Elevaria o som dos órgãos do pó inventariado           Para lançar e cantar os teus louvores,           O que mais fundo os invocasse conquistaria a sua paz           Que não pode se afogar ou se esvair           Sem fim junto à sua chaga Nas muitas e alienantes dores           conjugais de Londres.                      Quase às vésperas incendiárias           Quando diante de teus lábios e chaves,           Fechando, abrindo, se entrelacem os estranhos assassinados,           Aquele que é o mais desconhecido,           Teu vizinho, a estrela polar, sol de uma outra rua,           Mergulhará em tuas lágrimas.           Ele há de banhar teu sangue chuvoso no másculo oceano           Que percorrerá teu próprio morto           E fará girar sua esfera fora de teu fio de água           E entupirá as gargantas das conchas           Com todos os gritos desde que a luz           Começou a jorrar através de seus olhos tonitruantes.                      Quase às vésperas incendiárias           De mortes e entradas,           Quando próximo e estranho, ferido nas ondas de Londres,           Hajas procurado a tua tumba solitária,           Um inimigo entre muitos, que bem sabe           Como cintila o teu coração           Nas trevas vigiadas, pulsando entre furnas e ferrolhos,           Arrancará os raios           Para tapar o sol, mergulhará, galgará tuas teclas sombrias           E fará definhar os ginetes para que recuem,           Até que aquele despojo adorado           Avulte como o último Sansão de teu zodíaco.           .(tradução:            Ivan            Junqueira)          .          A LUZ IRROMPE ONDE            NENHUM SOL BRILHA                       A luz irrompe onde nenhum sol brilha;           onde não se agita qualquer mar, as águas do coração           impelem as suas marés;           e, destruídos fantasmas com o fulgor dos vermes nos cabelos,           os objectos da luz           atravessam a carne onde nenhuma carne reveste os ossos.                      Nas coxas, uma candeia           aquece as sementes da juventude e queima as da velhice;           onde não vibra qualquer semente,           arredonda-se com o seu esplendor e junto das estrelas           o fruto do homem;           onde a cera já não existe, apenas vemos o pavio de uma            candeia.                      A manhã irrompe atrás dos olhos;           e da cabeça aos pés desliza tempestuoso o sangue           como se fosse um mar;           sem ter defesa ou protecção, as nascentes do céu           ultrapassam os seus limites           ao pressagiar num sorriso o óleo das lágrimas.                      A noite, como uma lua de asfalto,           cerca na sua órbita os limites dos mundos;           o dia brilha nos ossos;           onde não existe o frio, vem a tempestade desoladora abrir           as vestes do inverno;           a teia da primavera desprende-se nas pálpebras.                      A luz irrompe em lugares estranhos,           nos espinhos do pensamento onde o seu aroma paira sob a chuva;           quando a lógica morre,           o segredo da terra cresce em cada olhar           e o sangue precipita-se no sol;           sobre os campos mais desolados, detém-se o amanhecer.             ( tradução:            Fernando            Guimarães)           .           E            A MORTE PERDERÁ O SEU DOMÍNIO                       E a morte perderá o seu domínio.           Nus, os homens mortos irão confundir-se           com o homem no vento e na lua do poente;           quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos           hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.           Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;           mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;           mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;           e a morte perderá o seu domínio.                      E a morte perderá o seu domínio.           Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar           não morrerão com a chegada do vento;           ainda que, na roda da tortura, comecem           os tendões a ceder, jamais se partirão;           entre as suas mãos será destruída a fé           e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;           embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;           e a morte perderá o seu domínio.                      E a morte perderá o seu domínio.           Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos           nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;           onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor           erguer a sua corola em direcção à força            das chuvas;           ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer           como pregos as suas cabeças pelas margaridas;           é no sol que irrompem até que o sol se extinga,           e a morte perderá o seu domínio.                     ( tradução:            Fernando            Guimarães)          .           A            MÃO AO ASSINAR ESTE PAPEL    A mão            ao assinar este papel arrasou uma cidade;           cinco dedos soberanos lançaram a sua taxa sobre a respiração;            duplicaram o globo dos mortos e reduziram a metade um país;           estes cinco reis levaram a morte a um rei.                      A mão soberana chega até um ombro descaído           e as articulações dos dedos ficaram imobilizadas pelo            gesso;           uma pena de ganso serviu para pôr fim à morte           que pôs fim às palavras.                      A mão ao assinar o tratado fez nascer a febre,           e cresceu a fome, e todas as pragas vieram;           maior se torna a mão que estende o seu domínio           sobre o homem por ter escrito um nome.                      Os cinco reis contam os mortos mas não acalmam           a ferida que está cicatrizada, nem acariciam a fronte;           há mãos que governam a piedade como outras o céu;                      mas nenhuma delas tem lágrimas para derramar.          ( tradução:            Fernando            Guimarães)          .           ESTE            PÃO QUE VENHO ABRIR                      Este pão que venho abrir foi outrora centeio,           este vinho sobre uma ramada desconhecida           ficou submerso nos seus frutos;           o homem em cada dia, em cada noite o vento           arrancaram a alegria dos cachos e derrubaram as searas.                      Com o vinho, outrora o sangue de estio           palpitava na carne que ornamentava a videira,           outrora neste pão           era feliz sob o vento o centeio;           mas o homem despedaçou o sol e abateu o vento.                      Esta carne que despedaças, este sangue           que traz a desolação pelas veias,           eram os cachos e o centeio           nascidos das raízes e da seiva dos sentidos;           este meu vinho que bebes, este pão de que te alimentas.          ( tradução:            Fernando            Guimarães)          .          A            FORÇA QUE IMPELE           ATRAVÉS DO VERDE RASTILHO                      A força que impele através do verde rastilho a flor           impele os meus verdes anos; a que aniquila as raízes das árvores           é o que me destrói.           E não tenho voz para dizer à rosa que se inclina           como a minha juventude se curva sob a febre do mesmo inverno.                      A força que impele a água através das pedras           impele o meu rubro sangue; a que seca o impulso das correntes           deixa as minhas como se fossem de cera.           E não tenho voz para que os lábios digam às minhas            veias           como a mesma boca suga as nascentes da montanha.                      A mão que faz oscilar a água no pântano           agita ainda mais a areia; a que detém o sopro do vento           levanta as velas do meu sudário.           E não tenho voz para dizer ao homem enforcado           como da minha argila é feito o lodo do carrasco.                      Como sanguessugas, os lábios do tempo unem-se à fonte;           fica o amor intumescido e goteja, mas o sangue derramado           acalmará as suas feridas.           E não tenho voz para dizer ao dia tempestuoso           como as horas assinalam um céu à volta dos astros.                      E não tenho voz para dizer ao túmulo da amada como sobre            o meu sudário rastejam os mesmos vermes.          ( tradução:            Fernando Guimarães)                   .           
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1 trocaram ideia:
Poeta com "P" de "Putaquepariuquelindo"
Tem post novo sobre análise de frases estúpidas da MPB! ;oD
Bjs
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